Moara: aquela que ajuda a parir
Era uma vez um grande lixão, conhecido como Lixão do Aurá, e é ali que a nossa história acontece, em torno do “aterro sanitário”.
Onde famílias inteiras, cansadas de pagar aluguel, decidem fincar moradia, ainda na década de 1990.
A ocupação se deu pela total falta de opção.
A pobreza extrema rondava a comunidade, não existiam escolas, postos de saúde, meios de transporte precários e a segurança, hum…, cada um que cuidasse de si.
As poucas estradas que circundam a comunidade foram abertas apenas para facilitar o tráfego de médias e grandes empresas (poluidoras), que precisavam ir ao lixão depositar dejetos.
Os prefeitos vivem uma eterna queda de braço, um interminável jogo de empurra-empurra, pois a comunidade ficava na fronteira de dois municípios.
Por falta de qualificação e outras oportunidades, a população do entorno tirava seu sustento do próprio lixão, como catadores de materiais recicláveis.
No local, adultos, jovens e crianças passavam os dias. Por conta das escolas serem muito distantes da comunidade, diversas crianças não as frequentavam.
A vida no lixão era sempre igual; os sonhos de conhecer uma vida melhor eram aos poucos sepultados, e a vida seguia sem perspectivas. O desânimo e a desesperança tomava conta.
Em meio a esse cenário surgiu uma organização chamada Cenhamar, essa organização se fundamenta no Neo-Humanismo (filosofia que favorece o desenvolvimento integral do indivíduo visando o amor universal).
Lúcia Rodrigues, mulher que adotou a filosofia do projeto, encontrou forças para sair da apatia dominante, criando um espaço literário denominado Biblioteca Curumim. Uniram-se outras pessoas (verdadeiras guardiãs), e fundaram uma Associação de Moradores.
A Associação criou um jornal comunitário para compartilhar informações locais com todos os moradores do lixão. Mas com a presença do jornal foi diagnosticado outro problema: descobriu-se que a grande maioria da população adulta não sabia ler.
A informação mexeu com os envolvidos, surgindo daí a ideia de fazer da biblioteca um espaço de resistência, local no qual crianças, jovens e adultos tivessem livre acesso para conhecer, ainda que de forma precária, a leitura e a escrita.
O tempo passou e o Lixão do Aurá foi, finalmente, desativado. Mas longe do que se esperava, os problemas da população aumentaram, pois o lixão era a fonte de renda para a maioria das famílias. Sem ter como sustentá-las, pais e mães entregaram-se ao vício da bebida como forma de amenizar ou até mesmo calar consciências diante dos lamentos de fome das crianças.
A população, que já era desassistida pelo Estado, ficou ainda mais empobrecida, passando a viver de “bicos” e afogando as mágoas no álcool. Era praticamente a única forma de lazer para os homens, e para as crianças a diversão acontecia somente nas ruas.
Pensando nisso, Lúcia e seus companheiros decidiram que era hora de ampliar a biblioteca e fazer dela um local apropriado para receber, principalmente as crianças, concretizando sonhos e lhes oferecendo oportunidades de conhecer e viajar, ainda que somente nas páginas dos livros.
A biblioteca, que se chamava Curumim, cresceu e se transformou em Moara, termo tupi-guarani que significa “aquela que ajuda a parir”.
Fazendo jus ao nome, a Moara hoje trabalha para ajudar a parir sonhos: por meio da sua filosofia humanista, começada pelo Projeto Cenhamar, das mediações de leitura, a contação de histórias que acontece diariamente e as ações culturais que pretendem apresentar para a comunidade formam uma alternativa, um alento àqueles que, cansados da labuta, não encontram forças para enxergar a beleza das coisas simples da vida.
Diante dos problemas existentes, a Moara percebeu que sozinha não seria possível parir uma história com final feliz. Somente unindo forças fariam oposição aos inúmeros vilões que atuavam para diminuir a autoestima da comunidade.
Primeiramente, aliou-se a uma rede local de bibliotecas, que juntou forças com os demais estados da Federação por meio da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.
Juntos somos mais fortes!
Autoras:
Teresa Torres, mediadora de leitura e estudante do Curso de Letras da UFPA).
Valdecira Maciel, coordenadora da Biblioteca Espaço Cultural Nossa Biblioteca e sistematizadora do programa Entre-Redes (RNBC).