À medida que o tempo passa conhecemos a nós mesmos e conhecemos o mundo lá fora. Encontramos em alguns ambientes um empurrãozinho. Existe a força da transformação, que nos leva a sonhos, na crença em cada um e no outro. Lugares que transformam, mas não o lugar por si só é capaz. As sementes que deixam despontam as possibilidades de mudança.
Aprendemos a regar as sementes, plantadas por dentro, e transbordamos em um emaranhado de galhos fortes por fora. Há esperança, luta e abraços que consolam, confortam, e assim seguimos. Mais galhos. Com afeto e coragem perseveramos. Criamos, construímos, desconstruímos e vamos aprendendo a nos refazer, fortes e frutuosos.
Ambientes carregados de luz, mas não as compradas em lojas. As que iluminam discretamente os detalhes, o aconchego, a acolhida, cores espalhadas em lombadas, em pufes que abraçam um corpo cansado ou que deseja apenas aproveitar a boa leitura. Descrevo a Literateca nas palavras de personagens importantes que fazem parte da história. A biblioteca as tocou de forma pessoal e trouxe metamorfose.
Espaço de leitura criado com a intenção de entreter, à espera do atendimento das crianças e acompanhantes, que pegariam correspondência ou escreveriam carta para o padrinho ou madrinha. Sistema de um programa social de apadrinhamento. Não se imaginava a proporção que a ideia tomaria. Tudo começou com dona Conceição, que trabalhava no setor. Encontrou livros guardados em caixas e resolveu fazer a organização do acervo, colocando-os nas prateleiras. Logo começou a fazer os empréstimos manualmente.
Espaço que mora dentro de outro espaço. Uma cidade marcada por sertão e praia, história de povos indígenas e de um santo cultuado; depois descobriram que o tal santo não era quem os moradores pensavam. Daí o nome da cidade das carnaúbas e dunas, homenagem ao santo São Gonçalo do Amarante, o verdadeiro, a quem muito estimavam.
Cidade germinada pelo que um dia foi cuidado pelos nossos antepassados, os povos Anacés, Guanacés e Jaguaruanas. Dizem que os Anacés se destacavam por sua valentia, no entanto não se sabe de guerras por terra. O desenvolvimento acontecia, os povos ancestrais mudavam-se em busca de outras terras.
Desenrolavam-se aos poucos as transformações. No caso, a biblioteca. Para chegar ao que hoje é tido como lugar confortável houve ajustes, desde mudanças de espaço à organização de cada livro nas prateleiras. Uma cor pastel na parede, verde e vermelho em alguns detalhes, a mesa ao centro que dá espaço a conversas, montagens de quebra-cabeças e um sofá pequeno, pensado milimetricamente, que caiba entre uma estante e outra. Cada objeto encaixado de maneira que torne o lugar um lar.
A mudança de espaço aconteceu não somente devido à necessidade, mas pela empolgação, em uma sala destinada à biblioteca. O que era sala de informática deu lar à Literateca. O nome é uma brincadeira que mistura literatura e biblioteca, escolha das crianças que participavam das atividades de mediação de leitura. Sugeriram mirabolantes nomes e daí escolheram o que mais agradava.
A comunidade logo ficou sabendo do novo. As crianças divulgavam cartazes distribuídos nos pontos estratégicos e escolas, avisos nas salas de aulas e utilização das redes sociais. Mobilização que acontece até hoje para que novas pessoas se acheguem.
Com a entrada para a Jangada Literária, uma rede de leitura, foi possível concretizar um espaço de biblioteca, começar um trabalho que fomenta a importância do espaço para a cidade e fazer parte de um coletivo nacional de bibliotecas comunitárias. Integrar a Jangada fortaleceu a nossa existência.
Falar em espaço que transmite a experiência de um lar é declarar o aconchego que ele brinda. No Clube de Leitura que acontece com algumas jovens, uma vez ou outra comentam que gostariam de morar ali. Às vezes nem precisam comentar, chegam, deitam-se nos pufes e depois passeiam os dedos sobre as lombadas dos livros. Manifestam liberdade, sentem-se bem e assim a tarde segue. Os assuntos no Clube discorrem desde uma poesia a assuntos sobre ser mulher, direitos, desabafos, afeto, e terminam o momento com lanche e um “até mais”.
Ainda sobre declarações, é importante quando dizem que por causa da biblioteca começaram a gostar de ler, que a Literateca propicia debates importantes e promove lazer. Traz para a cidade bem-estar, favorece conhecer mais sobre si e sobre o mundo. A diferença por dentro e por fora.
Entre os depoimentos um me chamou certa atenção. Em seu enredo duas jovens conversavam levemente. A primeira falava que não costumava ler, não tinha gosto. Certo dia veio à biblioteca, voltando da Educação Física com uma amiga. A amiga já pegava livros emprestados. Ficou surpresa e feliz em saber que também poderia levar. Desde então não parou mais. Por causa da biblioteca começou a ler mais livros e fazê-lo por prazer.
A história fica ainda mais interessante quando a segunda jovem da conversa afirma que como elas estudavam na mesma escola, acabou se interessando e sentindo curiosidade em saber onde a colega conseguia livros, pois sempre estava acompanhada deles. Foi então que por sua indicação conheceu a Literateca. Descobriu que gosta de ler, descobriu-se como leitora e amante dos livros. De boca em boca o lugar ganhou mais vida, com mais pessoas…
Ocupar espaço é muito mais que se fixar em um chão e ali fazer morada. É envolvimento, acreditar que estar ali é importante, ir além das quatro paredes. Desse modo experimentar desafios e conquistas. A Literateca não ocupa apenas um lugar físico, com metragem calculada ao quadrado. Escrever tudo isso foi possível apenas porque pessoas abriram os lábios e os corações contando as vivências.
Em cada palavra está a gratidão pelos detalhes, mesmo indiretamente. Fazem diferença na vida dos que experimentam a aventura de entrar, conhecer e se deliciar em uma biblioteca. Muita luz e boas vibrações para esse grande universo, em uma pequena sala que deixa sementes plantadas por aí. Sementes cujos frutos são asas, sonhos, liberdade e transformação.