BRISA E POESIA NA BIBLIO FLOR
Há ventos fortes, furacões e vendavais, mas também há brisas que nos acariciam a alma. Alguns ventos desagradáveis sopraram no trajeto de crescimento da Biblioteca Comunitária Biblio Flor, contudo, o ar fresco e agradável prevaleceu.
A sementinha da biblioteca começou no ano de 1989, quando os funcionários do Posto de Assistência Médica do IAPI, o Postão, criaram um setor de atendimento para os idosos. Junto nasceu o grupo de convivência Conviver. Apesar de todo o amparo na área médica, psicológica, nutricional e social, os beneficiados sentiam a falta de um espaço cultural com atividades para alimentar o espírito. Por conta disso, eles mesmos resolveram criar uma biblioteca. Logo, trouxeram livros de suas casas para começar o acervo, e a comunidade junto do SESI – Serviço Social da Indústria cooperaram com mais obras literárias. A alma dos idosos começava a ficar mais leve.
Helena, que era a bibliotecária e biblioterapeuta, gostava do que fazia, vendo dia a dia o entusiasmo dos idosos com a leitura. A comunidade empolgada, também queria participar das atividades lúdicas e culturais que a biblioteca oferecia, mas suas portas foram abertas ao público em geral somente em 2003. Com o passar do tempo, não só o acervo cresceu como também o conhecimento e a ludicidade que se expandiram para todos os setores do Postão. Para isso foi criado o “tele livro” projeto do qual o livro se movimentava de setor a setor oferecendo aos pacientes que ali eram atendidos um alívio para suas dores. A leitura servia de analgésico, de terapia. A contação de história, que Helena proporcionava ao grupo de apoio, era a ponte que despertava em todos o gosto pela leitura. Os pequenos acervos que se espalhavam pelo espaço estavam perto das mãos e dos olhos de todos ali. Tudo funcionava perfeitamente: os assistidos e a comunidade tinham um acompanhamento humanizado, onde a atenção e os livros nutriam suas almas.
Os ponteiros do relógio resolvem tudo quando caminham: misturam, separam, juntam, trazem a lua, trazem o sol, fazem brisa e vento. Pois o tempo transcorreu e em 2019, numa mudança de estratégia no gerenciamento das ações do Centro de Saúde IAPI, foi determinado o fechamento da biblioteca.
Nesse mesmo ano, em outra biblioteca comunitária, Martha que atuava como mediadora de leitura da rede Beabah! – Rede de Bibliotecas Comunitárias do Rio Grande do Sul, conheceu o professor Neco, que é técnico da prefeitura, responsável pelo serviço de convivência e fortalecimento de vínculos na terceira idade na região noroeste de Porto Alegre. Ele fazia atividades com o grupo “Vamos Fazer Amigos” na mesma sala de biblioteca onde Martha trabalhava. Juntos, ampliaram o atendimento. A biblioteca oferecia oficinas aos idosos participantes de outros grupos de convivência da região: fotografia, artes, encontro com autores, saraus e circuitos de oralidade. A sintonia e a oportunidade de novas atividades eram uma injeção de ânimo para o coletivo. Seu Nelson, participante do “Vamos Fazer Amigos” e escritor de crônicas, poemas e poesias, foi incentivado a participar do Slam organizado pela Beabah! em 2019 na feira do livro Porto Alegre do qual ficou em 4° lugar, uma emoção sem tamanho para ele. Isso mostrava a literatura fazendo a diferença na vida das pessoas. Contudo, em 2019, alguns ventos também sopraram por ali quebrando alianças, e a biblioteca comunitária que Martha atuava se desligou da rede Beabah!.
Enquanto isso, Helena articulava com entidades a doação do acervo de forma integral, pois não queria que se dispersasse, além de fomentar a ideia do mesmo vir a servir à comunidade. Nesse movimento todo de procura para colocar os livros em mãos apropriadas, ela também conheceu o professor Neco, que tinha em sua experiência o significado vivo das palavras fraternidade, resistência e persistência. Conversa vai, conversa vem, como um raio que ilumina todo o céu, as coisas começaram a clarear e a bonança logo apareceu. Neco, que já procurava um espaço para um grupo de convivência na terceira idade, viu naquele instante, a oportunidade perfeita para dar andamento em suas ações. Propôs então para Helena a transferência dos livros para o CRAS – Centro de Referência em Assistência Social Noroeste/CECOFLOR – Centro da Comunidade da Vila Floresta e se prontificou em assumir a coordenação do grupo Conviver. Em decorrência dessa harmoniosa brisa, surge a Biblio Flor.
Martha inicia a organização do espaço empolgada: começa a maratona de seleção do acervo doado pelo grupo Conviver e o pessoal da Beabah! se une ao mutirão. Entre muitos projetos, muitos sonhos e muita dedicação, marcaram a data de inauguração da Biblio Flor para o dia 19 de março de 2020. O que eles não esperavam é que um furacão lhes atravessasse os planos. Uma pandemia veio suspender, não só a inauguração do espaço, mas também as atividades práticas. Foi como um balde de água fria sobre toda a euforia. Contudo, o mundo virtual fervilhava, e ali nada era e nem é estático, e a Biblio Flor nasceu nas redes sociais. A voz macia mas firme de Martha agora espalha os saberes da literatura através das janelas da internet: poesias, prosas, histórias e informação. No mundo lá fora o vento ainda é furacão, mas do lado de dentro da janela a Biblio Flor é brisa, é verso, e amor.
Marlene Netto