UMA LUZ NO CAMINHO DE TODOS
Algumas pessoas, mesmo com limitações, conseguem brilhar tanto que iluminam o caminho dos outros. Aninha Peixoto foi um desses seres. Com um ano de idade, ela contraiu poliomielite, mas mesmo com as dificuldades geradas pela doença, a força de vontade, dedicação e amor pela comunidade falaram mais alto em sua caminhada. No decorrer de sua vida, tornou-se agente comunitária, mas não qualquer agente: era um ser humano raro, daqueles que não esperam que os problemas dos outros batessem em sua porta para tomar providências. Era convicta de solicitude, quase um ser estoico, mesmo que talvez não tivesse consciência disso, onde as dificuldades próprias e do seu meio não a perturbavam ou paralisavam, mas alavancavam nela a necessidade de agir imediatamente, antes mesmo de lhe procurarem. Curar as dores dos outros era para ela uma meta imprescindível. Incansável, percorria a comunidade da região norte de Porto Alegre com o intuito de injetar ânimo a todos, principalmente no que se referia à educação.
Não aceitava que os moradores da comunidade desistissem dos estudos. Assim que ficava sabendo que alguém perdera o estímulo, lá corria ela para ver onde poderia ajudar e o que poderia fazer para levá-los de volta à escola. Também dava um jeito de solucionar os problemas nos trajetos, aqueles que dificultavam o acesso ao colégio. Sua meta era colocar um livro nas mãos de todos. E para que isso acontecesse, ela visitava as pessoas em suas casas e nas instituições de ensino, laboriosa como sempre, pronta para resolver os dilemas. Seu sonho era criar uma biblioteca e aproximar de vez as pessoas, principalmente as crianças do livro e da leitura.
Alguns indivíduos da comunidade entravam para o MOVA – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, mas sobrecarregados com as funções dentro da coletividade, acabavam desistindo dos estudos por falta de tempo. E mais uma vez, lá ia Aninha, cheia de boa vontade e alegria, a colocar toda a gente de volta à sala de aula.
Por muito tempo, ela ajudou na resolução das atividades escolares das crianças da Vila Santa Rosa e essa experiência possibilitou seu ingresso no MOVA, no ano de 1999, como educadora.
Problemas? A Aninha sempre achava uma solução, esse era o seu maior dom. Fazia tudo com amor, se dedicava ao próximo sem hesitar. Ela era apaixonada por artes, leitura e música. Um ser humano tão bom e especial, que provavelmente precisavam dela lá por cima; e foi no ano de 2006 que a comunidade ficou órfã desta tão querida personalidade. Uma pneumonia a levou a atuar em uma esfera mais elevada.
Com o passar do tempo, Arilton e Maria Angélica, presidente e vice-presidente da associação de moradores, junto com mais integrantes da comunidade, por sentirem falta de um espaço de leitura e de conhecimento, resolveram criar uma biblioteca. Por sorte, bem na época, a delegacia de polícia havia mudado de endereço e o espaço ficou a cargo da associação. Livros começaram a ser doados pelos moradores, muitos deles didáticos, mas já era um começo. Arilton já era velho conhecido de Aninha, articulando junto a ela tudo o que pudessem melhorar dentro da comunidade.
Contudo, almas boas sempre aparecem, e Fernanda Melchionna, que na época era vereadora, apresentou a eles o Cirandar e a Márcia Cavalcante. Esta chamou a todos para entrarem na rede de leitura. E foi com o apoio da Rede e da C&A que a biblioteca cresceu e se enraizou. Com um maravilhoso acervo de literatura, eles doaram os livros didáticos para as escolas, porque desperdício e desvalia não era com eles. E foi em 2011 que a Biblioteca passou a fazer parte da Rede de Leitura.
O espaço físico, o acervo, os materiais de apoio, tudo se renovou, mudou, mas a garra de oferecer a todos o direito à leitura foi preservada: com certeza a melhor herança deixada pela querida Aninha. E para homenageá-la, a biblioteca foi batizada com seu nome: Biblioteca Comunitária Aninha Peixoto.
As parcerias e pessoas engajadas no crescimento da biblioteca e do projeto de leitura começaram a aparecer. Muitos foram, e são até hoje, figuras importantíssimas na trajetória do espaço. Da inauguração e reinauguração, as almas boas foram atraídas até ali. Seminários, projetos, visitação de escolas, de escritores, oficinas, palestras, tudo relacionado ao mundo do livro, borbulhava e borbulha na biblioteca Aninha Peixoto. Maria Heloísa é um destes seres abençoados e sortudos, pois, depois de anos atuando na área da docência, apaixonada que é pelo universo literário e engajada na causa da leitura para todos, ao se aposentar, veio atuar neste mágico e aconchegante universo de Aninha. Ali reina sua energia: seu sonho iluminado virou realidade, a semente regada de amor e afeto se multiplicou e floriu naquela irmandade.
Aonde quer que Aninha esteja, com certeza, estará orgulhosa e feliz por todas as pessoas que entenderam seu recado. Resistir é necessário, assim como atuar com vontade nas causas que se acredita. A Aninha partiu, mas deixou sua luz para orientar a todos e todas.
Marlene Netto