Um Sonho que alimenta sonhos
Olá, o meu nome é Sandra, sou uma adolescente de 15 anos, filha de italiana com brasileiros.
Nasci no dia 30 de julho de 2003, no bairro de Águas Claras. Você deve estar achando o nome engraçado. Seria um lugar “arrodeado” de rios, com águas bem limpinhas? Bem, vou explicar um pouco a origem do lugar onde nasci e resido até hoje.
Segundo o historiador Valter Passos, o nome Águas Claras deve-se às fontes naturais e à facilidade de escavar poços para obter água limpa. A vegetação trazia espécies variadas de animais e aves. As pessoas antigas sentem saudades dos plantios feitos no fundo dos quintais. Ainda, segundo o historiador, o local foi, por muito tempo, um Quilombo, denominado em sua pesquisa como “Quilombo do Orobu”, hoje nome de um curso popular pré-vestibular dentro da comunidade, criado por uma ONG local.
O bairro é bastante populoso, com mais de 2 milhões de habitantes, diversos estabelecimentos comerciais e escolas. E não há espaço cultural além da biblioteca.
Bem, graças a Deus cheguei ao local para atender à população que mora aqui. Vou continuar contando um pouco mais da minha história…
Quando era criança, ganhei da minha mãe vários presentes, como estantes, mesa, livros, quadro… Mas o melhor presente que ganhei em toda a minha vida foi conviver com crianças. Elas me proporcionaram momentos de alegria e às vezes de tristeza. Lembro-me que fiquei muito feliz em conhecer Patrícia, a primeira pessoa a trabalhar comigo. Trabalhávamos com algo mágico, é verdade! Ajudávamos outras pessoas a gostar de ler livros de literatura, não é o máximo?! Vivemos, juntas, momentos de grandes emoções.
As crianças sempre perto da Patrícia e dentro do meu coração. Algumas eram bem danadinhas, até jogavam livros em mim.
Quando completei dez anos passei por um dos momentos mais tristes e felizes ao mesmo tempo. Meus pais não tinham mais condições financeiras de me manter.
Minha amiga Patrícia ficou sabendo, por meio de uma colega, a Fernanda, que existia uma esperança. E que esperança era?! A elaboração de um projeto sobre leitura. Ou seja, deveríamos escrever a nossa prática literária e concorrer ao edital do programa “Prazer em Ler”, do Instituto C&A. Que desafio!
Unimo-nos. Meu pai, as freiras calazansianas e outras pessoas que nos ajudaram a escrever o projeto. Não posso esquecer a minha grande amiga, Aguínolia que carinhosamente chamamos de irmã Noli. Ela sim deu muito apoio para sustentar a nossa esperança no mundo literário. E não é que fomos aprovadas?!
Aí conheci Camila Leite (não é leite de beber, é sobrenome mesmo) e a Cida Fernandez. Elas vieram me conhecer pessoalmente. Fiquei tão nervosa, com medo de não gostarem de mim, mas gostei demais delas, porque percebi em seu olhar e observações que queriam de verdade nos ajudar a continuar com o trabalho. E assim tudo deu certo.
Pronto. Depois disso, com outras novas amizades que fizemos, formamos um grupo de amigos chamado “TOKliterário”, polo de leitura que reunia várias bibliotecas.
Por meio desse projeto e da Patrícia, conheci Priscila Souza, jovem bem esforçada e talentosa. Gostei dela desde a primeira vez que nos vimos, sempre carinhosa comigo e com as crianças que vinham me visitar diariamente. Desenvolvemos diversas atividades, no objetivo de despertar nelas o gosto pela leitura.
Conheci ainda a Bianca e a Andressa, duas adolescentes que ajudaram imensamente o meu trabalho. Uma adorava dançar, a outra amava tocar flauta, deixando nossa tarefa mais divertida. Elas me auxiliaram com o visual e na escolha de presentes – estantes coloridas, mesa nova, computador e livros, meus maiores instrumentos de trabalho.
Fiquei uma gata! Fiz até uma das crianças que ia me visitar todos os dias, chamada Iago, chorar de emoção ao me ver.
Depois do visual, tive que me mudar, foi uma canseira, mas deu tudo certo. O problema é que não gostei muito do novo lar, e aí me mudei novamente. Foram três mudanças. Patrícia, Priscila e pai Francisco me apoiaram e ajudaram sempre.
Uma professora, Maria de Lourdes, sempre lia histórias para todas as crianças que me visitavam, era bem legal. Ela não deixava as crianças fazendo barulho e nem bagunçando. Um dia, minha mãe veio me visitar. Ela mora na Itália, e em sua presença nos reunimos com todas as crianças e fizemos uma bela apresentação. Dramatizamos a história de “Dona Cabra e os Sete Cabritinhos”. Foi lindo!
Em 2014, ganhei um filho, mas não se assustem, não nasceu da barriga, mas sim do coração, que recebeu o nome de Biblioteca Comunitária Condor Literário, e eu tive que dividir todos os meus presentes com ele. Os livros, as estantes e até minhas amigas Patrícia e Priscila, que tiveram o trabalho de conseguir dar conta de amar e cuidar de tudo. Nessa época conheci o Adriano, um rapaz lindo interiormente e exteriormente!
Ele me ajudou bastante, principalmente na organização dos livros. Hoje estão todos catalogados. Lembro-me da Bárbara, outra amiga e colaboradora. Desenvolvia atividades bacanas, como o “Piquenique de Bonecas”, momento de magia que envolvia literatura, lanche… e bonecas, é claro!
Mas o meu filho era bem maior do que eu, e acabou despertando a curiosidade das crianças. Elas perguntaram à minha mãe, quando visitávamos o novo membro da família: “Por que o filho é maior do que a mãe?”
Então, minha mãe teve a ideia de conversar com meu pai Francisco, e conseguiram me fazer crescer, é sério! Para isso foi preciso viver em outro lugar. Fui para um local maior e bem perto das crianças e da comunidade.
Nessa época conheci a Lilian Conceição. Senti que poderia me auxiliar a me aproximar de outros jovens. E assim ajudar jovens que viviam bem próximos do tráfico de drogas, em uma situação de vulnerabilidade. A Lilian era a pessoa certa e poderia facilitar tudo, com qualidades e habilidades, pois era até do Circo Picolino, aqui em Salvador.
Então, minha eterna amiga Patrícia resolveu me deixar aos cuidados da Lilian e foi cuidar do meu filho, para dar continuidade ao sonho de despertar nas pessoas o gosto de ler livros de literatura.
Hoje sou uma adolescente de 15 anos e trabalho com Lilian e Miraneide. As duas viveram momentos especiais no Circo Picolino e me ajudam a conquistar novos sonhos. O meu nome é Sandra Martini, sou uma Biblioteca Comunitária, moradora do bairro de Águas Claras, na cidade de Salvador, Bahia. Faço parte da Rede de Bibliotecas Comunitárias de Salvador e da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.
Muito prazer!
Autoras:
Patrícia Santos e Santos Dantas, pedagoga, articuladora/coordenadora da Biblioteca Comunitária Sandra Martini, integrante da RBCS e da RNBC);
Juçara Gonçalves de Almeida Souza, psicóloga, articuladora/coordenadora da Biblioteca Comunitária Sandra Martini, integrante da RBCS e sistematizadora do programa Entre-Redes (RNBC).