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Pesquisa inédita revela a importância das bibliotecas comunitárias

A pesquisa Bibliotecas Comunitárias no Brasil: impacto na formação dos leitores é o primeiro amplo trabalho de coleta e análise de dados para identificar, compreender e dar visibilidade às bibliotecas comunitárias. Realizada pelo Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas no Brasil (GPBP) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Centro de Cultura Luiz Freire, com apoio do Instituto C&A e Fundação Itaú Social, o estudo contou com a participação de 22 mediadores de leitura das bibliotecas integrantes da RNBC na fase de pesquisa de campo.

A bibliotecária e uma das coordenadoras da pesquisa, Cida Fernandez, do Centro Cultural Luiz Freire, de Olinda, Pernambuco, analisa alguns dados desse trabalho, que terá sua primeira publicação em e-book no final deste ano.

— Cida Fernadez é uma das
coordenadoras da pesquisa pelo
Centro de Cultura Luiz Freire,
 de Olinda – PE

RNBC: A pesquisa colheu dados de 143 bibliotecas em 15 estados brasileiros, sendo que 51 delas não integrantes da RNBC. Qual foi o objetivo da pesquisa e como se chegou ao universo a ser pesquisado?

Cida Fernandez: O objetivo principal da pesquisa foi identificar, compreender e dar visibilidade ao papel que as bibliotecas comunitárias cumprem nos processos de formação de leitores, e para atingi-lo precisávamos ampliar a nossa amostra para além daquelas bibliotecas que fazem parte da RNBC, pois esse grupo passou por um processo de formação e constituição que pode ser considerado diferenciado no universo das bibliotecas comunitárias brasileiras.

Não existem levantamentos censitários ou bases de dados já disponíveis sobre esse universo, então adotamos um critério para definir o que é biblioteca comunitária (aquilo que constava em edital do MinC) e, partindo dele, consultamos várias fontes que nos levaram a definir qual o universo da pesquisa.

Embora nosso objetivo não tenha sido fazer um censo das bibliotecas comunitárias, queríamos abranger um universo amplo e representativo, e nesse sentido, podemos dizer que identificar o universo das bibliotecas comunitárias no país foi o primeiro grande desafio dessa pesquisa.

RNBC: A pesquisa foi planejada e realizada em 18 meses, com início em janeiro de 2017 e término em junho de 2018 e os pesquisadores de campo foram selecionados entre os mediadores de leitura das bibliotecas da RNBC. O que motivou a escolha desse perfil de pesquisadores?

Cida Fernandez: A pesquisa teve um caráter pedagógico e de intervenção, com o envolvimento direto daqueles que compõem o conjunto de bibliotecas comunitárias da RNBC. A opção por envolver integrantes da RNBC na equipe de campo fundamentou-se na defesa da pesquisa como um dispositivo de formação de profissionais que atuam nas bibliotecas comunitárias. Além disso, por sua proximidade com o objeto da pesquisa, a equipe de campo teve um papel importante em assegurar que a realização das entrevistas e observações fossem, efetivamente, instrumentos para uma melhor compreensão desses espaços e de seu papel na formação de leitores.

RNBC: Como essa pesquisa pode contribuir para a valorização das bibliotecas comunitárias na sociedade e no meio acadêmico, onde há poucos estudos desse universo?

Cida Fernandez: Realmente, são poucas as pesquisas realizadas no país acerca do fazer das bibliotecas comunitárias. Em sua maioria, são estudos muito específicos com recortes locais. Este é de fato o primeiro estudo exploratório amplo com foco no impacto na formação de leitores.

Quanto ao seu reconhecimento e valorização, embora venha mudando, as bibliotecas comunitárias, como tudo que é “comunitário” – escolas, creches, associações – são associadas, muitas vezes, a uma imagem de precariedade, de coisas improvisadas, espaços que abrem e fecham, que não têm qualidade, que não se sustentam, enfim. A pesquisa veio justamente desconstruir essa imagem, revelando o cuidado com que esses espaços vêm se desenvolvendo, que a medida que têm mais tempo, mais recursos, os cuidados, o acervo, o ambiente e as práticas vão melhorando. Que a maioria dos mediadores têm uma escolaridade superior à media de suas cidades, que o tempo de atuação, a dedicação e o fato da maioria, também ser morador das comunidades em que atuam, empresta uma singularidade na construção dos vínculos entre moradores e bibliotecas, fortalecendo o sentido de pertencimento e promovendo sua interação. Tudo isso com certeza, revelado pra sociedade pode – assim como vimos que as bibliotecas mudam a visão da comunidade sobre si mesmas – mudar o olhar da sociedade para com essas iniciativas.

RNBC: A pesquisa revela que 90% dos mediadores de leitura têm nível de escolaridade do ensino médio completo até a pós-graduação. Esse é outro dado a desmistificar a visão da biblioteca comunitária como algo precário e de qualidade inferior?

Cida Fernandez: Com certeza, como já colocamos na questão anterior o imaginário é de trabalho improvisado, com pessoas com trabalhos mais intuitivos do que qualificadas para atuar. Além do dado da escolaridade, outro que destacamos é que a biblioteca comunitária foi recorrentemente citada como o espaço que contribuiu para que as pessoas voltassem pra escola, concluíssem sua formação, continuassem estudando, enfim, contribuiu para que as pessoas superassem muitas vezes suas dificuldades com a formação escolar. Além disso, foi muito frequente que pessoas que frequentam a biblioteca comunitária reconhecessem que é lá que aprenderam a ler e que isso se dá pela ação acolhedora de mediadores de leitura que estão atentos às demandas desses leitores.

RNBC: Outro dado que chama atenção é a presença das mulheres na mediação de leitura, com 79% dos mediadores do sexo feminino. Alguma razão que explique essa presença tão expressiva?

Cida Fernandez: A presença das mulheres nos trabalhos sociais é histórica, não pesquisamos as razões disso, mas existem várias pesquisas que revelam isso, inclusive em algumas profissões como a biblioteconomia e profissionais da educação. Durante um tempo alguns autores justificavam os baixos salários por causa da feminilização da profissão. Uma hipótese que merece ser pesquisada é que as mulheres, por serem as que cuidam da vida da família, da casa, cuidam por extensão da vida comunitária, e são as mais atingidas pelas dificuldades do cotidiano e pelo impacto da pobreza em seus filhos e, talvez por isso, sejam mais sensíveis e mais provocadas a buscar alternativas para a melhoria das suas condições de vida. Mas isso seria uma outra pesquisa.

RNBC: Quais outros dados você destacaria como importantes para a credibilidade do trabalho das bibliotecas comunitárias?

Cida Fernandez: O fato de as comunidades fazerem todo esse movimento para ter acesso à cultura escrita indica que elas têm consciência da importância do ato de ler, reconhecem a leitura literária como um dispositivo para o desenvolvimento humano – o que nos leva para a questão dos direitos. Ou seja, a pesquisa revela que aquelas pessoas que têm acesso e frequentam essas bibliotecas gostam de ler, sabem da sua importância, têm interesse pela leitura e estão lutando para conquistar e garantir esse direito nesses territórios marcados pela exclusão de políticas públicas de cultura e educação.

— Na foto em destaque temos a equipe
de pesquisadores e coordenadores reunidos
 para avaliar os dados da pesquisa
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