Biblioteca Comunitária

Varanda Literária Maria de Lourdes Miranda

Nós temos uma história para contar, sabemos mais ou menos por onde começar, porém não sabemos como vai acabar… Melhor que não acabe!

No começo, três irmãs professoras e, mais tarde, uma varanda muito acolhedora!

Mas antes do começo, sempre tem outro começo! Puxando o fio da memória sempre temos algo a mais para contar.

Nós somos Sandra, Sônia e Silvana. As meninas professoras, filhas da dona Maria de Lourdes e orgulho do senhor Guilherme Miranda. Nosso pai, ferroviário aposentado, passava as horas nos bate-papos com os amigos do bairro, sempre elogiando as filhas professoras.  Virava e mexia, solicitava nossa ajuda na tarefa escolar do filho de um amigo aqui, outro acolá.

A partir de 2005 isso foi se intensificando, pois éramos, por diversas vezes, procuradas por crianças e adolescentes da comunidade para ajudá-los nas pesquisas escolares e deveres de casa. Marcamos dias e horários para o auxílio, pois trabalhávamos como professoras.

Pensando agora, achamos que foi o começo. Mas nosso pai partiu em 2011, e não chegou a ver a história que desejamos contar, fruto de seu legado, não podemos negar.

Nossa mãe sempre foi dedicada ao lar e cuidadosa com os filhos, dona de um coração bondoso e dona da varanda acolhedora. Agora sozinha, apegou-se mais ao filho e filhas e aos sonhos de cada um.

Um tempinho depois, em 2012, na varanda formalizamos nossa rotina como explicadoras. Eram tempos difíceis, tínhamos que aumentar a renda de casa. No final das tarefas, sempre um aconchego, acabávamos lendo um livro ou contando histórias.

Foi tempo de aprendizado. No mesmo período, acompanhamos e apoiamos o Grupo Comunitário Chocobim. Entre livros e histórias, promovia festas, passeios e diversas outras atividades com crianças e adolescentes. Gostávamos demais da interação e trabalho com a comunidade. Mas ainda não havia chegado o nosso tempo, pois acreditamos que há tempo para tudo.

Em 2015 já tínhamos em nosso coração uma vontade imensa de fazer algo pela comunidade. A constante presença das crianças e a força do livro foram os motivos que possibilitaram mudar nossa história. Será que era a chegada do tempo batendo à nossa porta?

Sabíamos que haveria intenso trabalho: preparar a terra, semear, cuidar do plantio e, finalmente, a colheita.

Nossa cunhada, Maria Chocolate, foi uma grande incentivadora nos primeiros passos na longa caminhada. Sugeriu ideias para uma biblioteca comunitária, doou mesas, cadeiras e os primeiros livros. Mas surgiu um problema maior: onde seria a biblioteca? Continuamos na varanda com as atividades de reforço, junto com os livros literários, até encontrar a solução.

Em 2016, a Sandra, uma de nós, foi convidada por Maria Chocolate para trabalhar como mediadora de leitura em uma biblioteca que integrava a Rede de Bibliotecas Comunitárias, “Tecendo uma Rede de Leitura”. Seu entusiasmo ao relatar os trabalhos desenvolvidos pelo coletivo no decorrer do projeto fez despertar em nosso coração o desejo de iniciar algo transformador.

Assim, em pequenos traços, o projeto literário foi se desenhando. Conseguimos livros, mas estávamos longe de ser uma biblioteca comunitária. Ainda faltava o espaço.

Contudo, o que tinha de diferente chamou a atenção da comunidade, principalmente da parte do bairro em que a carência era latente. Com o projeto em ação apareceram cada vez mais crianças e adolescentes querendo participar. Sensibilizadas pela necessidade da comunidade, que cresce a cada dia, pelo abandono do governo, que gera o desemprego e a falta de oportunidade aos jovens, agravados pela ausência de projetos que colaborassem na educação… Sem área de esporte e lazer que tirasse as crianças das ruas, com tempo ocioso e perda de adolescentes para o tráfico. Decidimos erguer as mangas e partir para o enfrentamento com os livros.

E assim fizemos. Trabalhando com o pouco que tínhamos, abrimos de vez as portas da nossa casa, e começamos a receber crianças quase todos os dias. Enfim, nossa biblioteca comunitária passou a funcionar… Mas ainda sem o sonhado espaço.

Nossa mãe – Maria de Lourdes Miranda, a quem com muito orgulho homenageamos, dando o nome de nossa Biblioteca Comunitária, pelo apoio que nos deu desde o início, cedeu o uso da varanda. Perdeu um pouco da sua privacidade, mas a sentimos feliz por fazer parte dos nossos sonhos.

Naquele momento, quando começamos a sonhar mais alto, fomos apresentadas à Shirley, pela Maria Chocolate. Posteriormente recebemos a visita das duas, que despertaram o desejo de participar da Rede “Tecendo uma Rede de Leitura”. Sabíamos que podíamos crescer, adquirir mais conhecimentos e ganhar visibilidade.

Já na Rede, 2017 foi um ano de intenso trabalho, aprendizado e doação. Período de forte voluntarismo, com outros participantes que se integraram. A resistência, cumplicidade e gestão compartilhada foram os pilares que permitiram a sobrevivência e amadurecimento no coletivo, possibilitaram-nos a participação e conquistas de espaços de lutas no município em favor da literatura.

Lutamos para que todos tenham acesso à literatura! E a luta continua, mas a angústia por não ter um espaço ainda permanecia. Havia poucos livros em nossa única prateleira… Não havia uma biblioteca para atender à comunidade.

Mas eram várias crianças, leituras e atividades. E alegrias e sonhos vindos de cada criança, somadas à participação e parceria de distintos responsáveis.

Ganhamos um grupo, um coletivo que compartilhava os mesmos ideais. Com alguns não conseguimos caminhar juntos, mas outros nos fizeram crescer! E aumentou ainda o número de participantes na biblioteca, poxa, mas não era um espaço de biblioteca…!

Agora já maiores, participando de uma Rede, apoiados pelo Programa Prazer em Ler, do Instituto C&A, aumentava a preocupação pela necessidade do local.

O coletivo acalmou nosso coração; afinal, havia um espaço vivo que respirava literatura, independentemente de ainda não ser uma biblioteca. Daí, a proposta da mudança de nome. Nasceu a “Varanda Literária Maria de Lourdes Miranda”.

Ah! Como se não bastasse toda a sua ajuda, sensibilizada por nossa procura, a mãe, sempre abraçando o sonho e nos apoiando em tudo, cedeu sua varanda pelo tempo necessário até conseguirmos o espaço de leitura definitivo. Quando chegar será chamado Biblioteca Comunitária Varanda Literária Maria de Lourdes Miranda.

Como dissemos no início: existe uma história para contar, sabemos mais ou menos como começar, porém não sabemos como vai acabar… melhor que não acabe…

E assim aconteceu. Hoje fazemos parte da Rede de Bibliotecas Comunitárias Tecendo uma Rede de Leitura.

Somos gratas por tudo o que construímos. Continuaremos enfrentando os desafios, pois sabemos que, coletivamente, teremos forças para conquistar bem mais.

Nossa esperança é que a dedicação gere transformação na vida das crianças, adolescentes e até dos adultos que participam conosco das diversas descobertas por meio da literatura.

Estamos no processo de semeadura; esperamos cuidar bem do nosso plantio, mas torcemos para a colheita ser farta no futuro de quem  aqui um dia passou.

Autoras:

Sandra Maria Miranda dos Santos, Silvana Regina Miranda de Lima, Sônia Maria Miranda Reis, irmãs,  professoras e integrantes da Varanda Literária.

Maria Betânia P. da Silva, pedagoga, funcionária pública, especialista em literatura infantil e juvenil, idealizadora e coordenadora do Espaço Literário Balaio de Leitura, participa da associação de moradores que abriga a biblioteca. Atua na RNBC como integrante do Conselho Gestor e sistematizadora do programa Entre-Redes.

 

 

 

    Dados Gerais

  • Cidade e Estado: Duque de Caxias-RJ
  • Endereço: Rua José Fichiman, 655, Saracuruna
  • Telefone(s): (21) 2677-0454
  • Email: bcmlm123@gmail.com
  • Links: https://www.facebook.com/varanda.literaria.58 ?>
  • Ano de Fundação: 2012
  • Nome e perfil dos fundadores: Sonia Maria Miranda Reis, professora aposentada, envolvida na comunidade, suplente no Conselho de Cultura do Município na cadeira do Livro, Leitura e Salas de Leitura. Sandra Maria Miranda dos Santos, professora, contadora de histórias, mediadora de leitura, envolvida na comunidade. Silvana Regina Miranda de Lima, professora, mediadora de leitura, envolvida na comunidade.
  • Número de leitores: 90
  • Número de livros de literatura: 583
  • Número anual de empréstimos de livros: 840
  • Principais atividades de mediação de leitura: Roda de leitura, leitura livre, oficinas literárias, rodas de conversa, ações literárias no campo. Além do trabalho de reforço e pesquisa.

    Contexto da Biblioteca

  • Território no qual a biblioteca está localizada:A comunidade é abandonada pelo poder público e passa por um processo de violência. Não há investimento em educação, saúde e segurança pública. Existe apenas uma escola municipal de fácil acesso, as outras ficam distantes. Diversas crianças estão fora da escola e, ociosas na rua, são quase sempre aliciadas pelo tráfico. No bairro existe um valão, que divide uma parte do bairro. A divisão mostra duas realidades em uma mesma comunidade: uma antes da beira do valão e outra depois da beira do valão, na qual o tráfico é mais intenso. Não existem outros espaços de cultura no bairro, menos ainda relacionados à leitura.
  • Fundação da biblioteca: A origem da biblioteca aconteceu em 2012, na varanda de dona Maria de Lourdes, como espaço de “ajuda e reforço”, por meio das suas três filhas professoras, que ajudavam as crianças em pesquisas escolares. Os trabalhos eram sempre na varanda e tinham à disposição livros paradidáticos, gibis e alguns literários, manuseados ou lidos após o reforço. Maria do Carmo da Silva Miranda, mais conhecida como “Chocolate”, foi a incentivadora para a ampliação do trabalho, mostrando possibilidades de como ajudar a se envolver com a comunidade. Mas não era ainda o momento de assumir a responsabilidade. O grande marco foi 2016, período em que Sandra começou a trabalhar na Rede com o coletivo de bibliotecas comunitárias apoiadas pelo Instituto C&A. O trabalho na biblioteca despertou a vontade de ter uma biblioteca na comunidade. Convenceu as demais irmãs a montar uma biblioteca na varanda.
  • Identidade da biblioteca: A Varanda foi se adequando aos poucos e se transformando em um espaço voltado à mediação de leitura. Além das ações literárias que proporcionam bem-estar, há ainda o resgate da infância. São organizadas comemorações e festividades, conforme as datas, nas quais recebem ajuda dos pais, principalmente no Dia das Crianças e Natal. O reforço escolar gratuito é uma característica da biblioteca, pois as mediadoras continuam sendo procuradas para ajudar em pesquisas e trabalhos escolares.
  • Enraizamento comunitário: As integrantes da Varanda, auxiliadas pelo Grupo Comunitário Chocobim, articularam parceria com a APAE, Ação da Cidadania e Viva Rio, para receber doações de leite e cestas básicas a serem distribuídas às crianças e idosos. No espaço, além do reforço escolar, ainda é servido um lanche para o público atendido. Alguns pais ajudam no lanche, mas a maior parte é proveniente da doação das próprias mediadoras e de sua família. Algumas mães da comunidade aparecem com doações, mesmo não sendo participantes da biblioteca. São bons exemplos de solidariedade, partilha e doação.
  • Impactos sociais: O grande impacto acontece na vida dos frequentadores por meio das mediadoras, pelo trabalho da valorização da leitura e escrita, conforme relatam algumas pessoas da comunidade: “Um espaço que promove valores éticos e solidários, há o aprendizado e exercício de viver em comunidade a favor da comunidade”. “A vida da comunidade sem a biblioteca seria muito mais difícil. Algumas crianças se espelham no exemplo das mediadoras e professoras, para sonhar com uma profissão”. “As crianças que frequentam regularmente o espaço estão mais desenvoltas nas atividades propostas na escola, e quando chove se entristecem por não poder participar”.

    Personagem da Biblioteca

     

    Sandra, Silvana, Sônia, as Miranda…

     

    Não são todas Maria, mas são Miranda: Sandra, Sônia e Silvana. Filhas do Guilherme e de dona Lourdes, lá de Sambaetiba, pros lados de Itaboraí. Conhecem? Nunca ouvi falar, mas eles são do lado de lá. As histórias começaram assim: seu Guilherme Miranda, então ferroviário, se casou com dona Lourdes, que passou a ser Miranda também. Tiveram muitos filhos, entre eles três mulheres que se tornaram professoras, as Miranda. A vida não foi fácil não! Dona Lourdes ficava em casa cuidando dos filhos, e seu Guilherme permanecia dias fora, e voltava para casa nos finais de semana, tudo para garantir o pão. Sônia, a mais velha, é quem tem as histórias para contar. Onde morava era muito pobre e sem recursos, ensino até a quarta série. Então, saiu do lado da linha férrea e perto do bondinho de Santa Teresa foi parar. Morando com os tios, de domingo a sexta pôde estudar. Mas um dia acabou a linha férrea de lá, e o pai foi transferido para a linha Barão de Mauá. Com a família em Saracuruna foi morar. Sônia, professora se formou. Sandra e Silvana na irmã se espelharam! Entre o trabalho e as tarefas escolares de casa, passaram a ser as queridas tias da meninada da redondeza. Tudo começou por indicação do pai, que tinha essa proeza. As três filhas professoras, um orgulho que pai e mãe já não disfarçavam. E a criançada do bairro, como explicadoras, elas ensinavam. As três Miranda, entre crianças, tarefas escolares, livros, literatura… Uma nova e linda história nasceu. Foi uma trajetória longa, de muito incentivo e perseverança, um trabalho coletivo. Tecendo uma rede de leitura, a Varanda Literária Maria de Lourdes Miranda aconteceu!