Biblioteca Comunitária

Solar de Ler

Integrante de

SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA

 

– Olinda é um dos locais que têm as praias mais bonitas, perfeita para sentar na areia entre amigas e olhar o verde brilhante do mar, o céu azul e conversar. Olinda tem uma coisa encantadora, difícil de explicar, apenas indo lá para sentir e experimentar. Deixa eu dizer uma coisa: um dia eu estava lá, sozinha, na beira do mar, contemplando a paisagem e sentindo a brisa trazida pelo vento que batia no meu rosto. Chega respirava aquele ar olindense com muito gosto.

– Proooontoo! Minha irmã, tu é muito bairrista mesmo, visse? Falando assim parece que tu tá falando de Fernando de Noronha.

– Opa! Mais respeito com Olinda. Olinda é Olinda! Só porque tu é do Recife, é?

– Sim, mas deixa essa tua conversa mole e diz o que tu ias dizer. Parece que tá lendo um romance.

– Então, senta que lá vem história! Tu não vai acreditar. Tava lá, na beira do mar, contemplando a paisagem e pá. E achei uma concha.

– Sim! E o que é que tem? Concha na praia é o que não falta, mulher!

– Mas essa concha era diferente. Quando coloquei no ouvido ela começou a contar uma história.

– Como é, menina?

– Foi verdade. Começou a contar uma história.

– Deixa de “história”, mulher!

– Tô te dizendo. Tá ligada que ali na parte histórica da cidade tem uma biblioteca comunitária, né?

– Sim. O que é que tem? Tu leu essa história em algum livro lá, foi?

– Não. Mas a concha me contou a história da biblioteca. Ela perguntou se eu conhecia, eu disse que tinha ouvido falar. E ela começou a me contar.

– Foi mesmo, foi? E ela disse o quê?

– Ela contou uma história de uma equipe de filmagem que gravou um documentário sobre o Direito Humano à literatura. Ela disse que a Biblioteca Comunitária Solar de Ler fazia parte de uma rede de bibliotecas comunitárias chamada Releitura, que desenvolve ações literárias e de incidência política de incentivo à leitura aqui em Pernambuco.

– Isso aí eu tô ligada. Tem uma biblioteca lá da minha comunidade, no Recife, que faz parte da Releitura.

– E então?! O documentário era sobre isso. A concha me disse que o vento trouxe o som dessa entrevista. Ela me disse que o vento condensa nossas histórias e nos ajuda a movimentar nossas memórias para a comunidade.

– Essa história do vento espalhar nossas histórias eu já escutei lá na biblioteca perto de casa…

– Pronto! Olha aí. Tá vendo tu?! A concha me disse que esse documentário era de uma TV Comunitária daqui de Olinda.

– Logo vi. Essas tevês comerciais são difíceis de fazer vídeo falando sobre as coisas boas das nossas comunidades.

– Essa TV Comunitária é a TV Viva, que foi criada em 1984 como a primeira televisão a céu aberto das Américas, e faz parte do Programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire ( CCLF).

– Oxe! Tô ligada que TV é essa. Tem muito conteúdo cultural e social que mostra a história das periferias de Pernambuco.

– A TV Viva fica no Centro de Cultura Luiz Freire, que é uma instituição muito importante na luta pelos direitos humanos no Brasil. Em tempos que o silêncio era obrigatório, em 1972, nasceu sob o sol, no coração de Olinda, o Centro de Cultura Luiz Freire, que trazia como estratégia de renovação artístico-cultural e de resistência democrática para fazer frente à Ditadura Militar vigente no país. Um espaço de acolhimento das movimentações de resistência e luta pela redemocratização do país e que até hoje é uma organização que se reinventa para lutar por direitos humanos com atuações voltadas para educação, comunicação, cultura e democratização da gestão pública.

– O Centro de Cultura Luiz Freire eu tô ligada! Já fui para muitas festas, formações, debates e seminários ali naquele quintal.

– Pronto! A Biblioteca Solar de Ler fica lá no CCLF, como a gente também  gosta de chamar. A Concha me falou o que escutou nessa gravação da reportagem da TV Viva.

– Agora pronto! E o que foi que essa Concha disse?

– A concha me falou que a entrevista foi com a equipe da biblioteca, que é formada só por mulheres: Rafaela Odara, mediadora de leitura, Flávia Melena, articuladora da biblioteca, e Cida Fernandez, bibliotecária.

– E elas falaram o que?

Rafaela falou de toda a efervescência cultural do território, sobre o espaço ficar no coração do maior e melhor carnaval do mundo, de contar com muitos blocos de carnavais tradicionais, com artistas plásticos, cantores, pintores, escultores, festivais de músicas e muitas outras coisas.

– Verdade! Aqui em Olinda tem muita Cultura mesmo. E ela disse mais o quê?

– Falou da desigualdade social perceptível entre as comunidades do entorno, entre a parte histórica onde moram pessoas em situação econômica mais privilegiada, e outras comunidades que sofrem com a falta de políticas públicas.

– Ah, sim. Isso é verdade.

– Aí Rafaela disse que mesmo a biblioteca sendo localizada em uma área privilegiada, na parte histórica, atualmente, atende também às comunidades como da Ilha do Maruim,  V8, V9, vila popular  e Portelinha.

– Sim. Eu conheço essas comunidades. Já empinei muita pipa quando era criança pelas ruas quando ia para a casa da minha prima lá na Ilha do Maruim. E o que mais falaram nessa entrevista para o documentário?

A Concha escutou Cida falando para a reportagem da TV Viva como ela chegou no processo. Nos anos de 1980, o Centro de Cultura Luiz Freire criou o Setor de Documentação e Informação . Esse setor, além de uma  biblioteca, oferecia serviços e documentos para a atuação das equipes internas, funcionando como suporte  aos programas da própria organização.  Em 1988, o CCLF abriu uma vaga no setor de documentação e informação e Cida passou a fazer parte da equipe a convite de Fernando Silva, que era coordenador do Setor da época. Nos anos de 1990, o Centro de Cultura Luiz Freire, o Grupo Alternativas Educacionais, equipe de Educação,  começa a desenvolver uma formação chamada professor leitor e Cida começou a fazer parte da equipe de desenvolvimento dessa metodologia em parceria com as Universidades Federais de Pernambuco (UFPE e UFRPE), que são importantes parceiras para a política de leitura. Esse grupo de trabalho teve o desafio de organizar pequenos acervos literários. Cida disse que no começo foi difícil de fazer porque não tinham experiência com acervo de literatura, pois a prática de documentação era de organizar documentos para analisar a mídia, a imprensa, e fazer pequenas publicações do CCLF. Com apoio de organizações internacionais, Cida foi estudar sistemas de organização de bibliotecas focadas nas histórias de bibliotecas literárias.

-Eita que a história tá ficando boa. O que mais a concha falou?

A concha disse que Cida relatou para a reportagem que surgiu um questionamento: se queremos formar leitores, como fazer? Ela disse que os códigos que há nas bibliotecas muitas vezes não são acessíveis, pois as pessoas com pouca ou nenhuma familiaridade com a leitura, quando chegam nos espaços, têm vergonha de perguntar e as vezes nem sabem como achar os livros.

– Verdade! Às vezes a gente não consegue achar nenhum livro em algumas bibliotecas.

– E então! Ai, Cida disse que de 93 até 2008 fez uma pesquisa ativa junto às comunidades para entender como se organizavam, procuravam informação e se referiam aos livros. E foi a partir dessa prática que se desenvolveu o Sistema de Classificação por Cores, que hoje está implantado nas redes municipais de educação de Caruaru, Altinho e Agrestina e também utilizado pelas bibliotecas comunitárias da Releitura.

– Eitaaaaa! A biblioteca comunitária de Brasília Teimosa usa esse sistema por cores. E facilita mesmo, visse? Eu consigo encontrar os livros lá bem rapidinho.

– Pois é. Ela disse que todas as bibliotecas da Releitura seguem o sistema de classificação por cores.

-Muito bom isso. E o que mais que a concha falou?

– A concha me disse que escutou Cida falando na reportagem que entre os anos de 1980 e 2004, o funcionamento do Setor de Documentação realizava serviços de monitoramento de políticas de segurança e educação, a partir do mapeamento das notícias dos maiores jornais locais, fazendo análises anuais sobre essas políticas. Além de manter um acervo voltado para os direitos à educação, cultura, comunicação e desenvolvimento. A partir dos anos de 1992 em diante, o Setor de Documentação passa a desenvolver um acervo de literatura de ficção e poesia. Nesses tempos também ficou famoso o evento “Quartas Literárias”, palco para a literatura, coordenado durante 10 anos,  por Silvana Menezes, atriz, escritora e poetisa.

– Oxe! Que massa! Eu lembro desse projeto Quartas Literárias. Cheguei a ir para algumas edições. Era muito bom, visse?

-E então! Era bom demais.

E a concha disse mais o que?

– A concha contou que a partir de 2015, o Setor de Documentação passou a se reconfigurar para transformar-se em Biblioteca Comunitária. Nesse período, entre 2015 e 2019, foi colocado em prática o projeto Coisas que se contam nas Olindas, parceria com o Cedinho – consultoria e assessoria em educação, cultura e desenvolvimento de terapias integrativas. O Coisas foi um espaço para a contação de histórias, poesias e literatura, realizado em encontros mensais, alguns voltados para adultos e outros para todas as idades. Nesse período, o espaço de leitura também realizou lançamentos de livros de escritoras/es como Agualuza, Maria Duenas, Wagner Barreto, entre outros. E ainda o projeto LiterArte.

– A concha disse como a biblioteca se transformou em comunitária?

A Concha disse que Rafaela falou que os olhares sensíveis das mediadoras, que são mulheres e moradoras da periferia, foram fundamentais para compreender a necessidade de escuta, mobilização e fortalecimento das mulheres das comunidades do entorno da biblioteca. Foi a partir desses olhares e movimentos das mediadoras que as portas das bibliotecas Solar de Ler foram abertas para a realização de ações de mobilização do Sistema de Garantia de Direitos, formações políticas, de enraizamento comunitário, e promoção da leitura literária com as mulheres das comunidades da Ilha do Maruim,  V8, V9, vila popular  e Portelinha.

– Eu já fui lá na biblioteca uma vez com a minha prima, que mora na  Ilha do Maruim. Lá é bem bom, visse? Tem uma boa quantidade de livros literários e um ambiente aconchegante. E falaram quais ações são desenvolvidas lá na Solar de Ler?

– A concha me disse que, durante a entrevista, Flávia, falou das ações que promove por lá, como às mediações de leitura, a Maleta de Leitura, que contém livros literários e que ficam até 15 dias na casa das famílias das comunidades, e o Papo de Mulher, que faz parte da programação da biblioteca, com o intuito de fortalecer os laços de compromisso entre o grupo de mulheres do território, e são encontros com momentos de afeto, escuta, autocuidado, troca de experiências, mediações de leitura, discussões sobre assuntos relacionados aos direitos humanos e rodas de conversas.

– Oxii! Muito bom essas ações da Biblioteca Comunitária Solar de Ler. Quando for à casa da minha prima de novo vou passar lá e conhecer melhor essas atividades.

– Pronto! Essa história foi a concha que me contou.

– Sim. Certo. Quando e onde que vai passar esse documentário na TV Viva?

– Eita! Esqueci de perguntar. Vai lá à praia e pergunta para a concha.

– Vou fazer é melhor! Vou lá na biblioteca para um Papo de Mulher que eu aproveito para conhecer e já pergunto quando e onde vai passar essa reportagem!

– Pronto, fechou, bora nessa!

Autores:
Tarcísio Camêlo, jornalista, educador social e defensor dos direitos humanos. Atua na produção de conteúdos documentais e ficcionais e na incidência política para comunicação comunitária, comunicação pública e independente. É comunicador da Releitura-PE.

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  • Links: http://cclf.org.br/ ?>
  • Horário de Funcionamento: Segunda a sexta-feira das 10h às 18h
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