Biblioteca Comunitária

Salão do Encontro

Integrante de

Biblioteca Comunitária Salão do Encontro: janelas abertas para o mundo

Como os fios de algodão coloridos se misturam à trama do tear mineiro formando um  tecido forte e colorido, tão entrelaçados que, se olharmos bem de perto, não sabemos dizer onde começa um e termina outro… Assim é a relação da Instituição Salão do Encontro com a leitura. As histórias se fundem.

Criado em 1970, com o objetivo de enfrentar a miséria tecendo beleza, a instituição sempre teve a leitura e a escrita como importantes ferramentas de inclusão e acesso à informação e cidadania. Uma cena comum era ver as professoras reunindo as turmas para, juntos, embarcarem na viagem da leitura sob a copa das árvores. Quando o local escolhido era a sombra do bambuzal, os efeitos especiais estavam garantidos, como estalos, assovio do vento. Muitas vezes, os funcionários das oficinas, familiares ou visitantes paravam para participar da leitura, o que deixava a atividade ainda mais rica. Os livros, em sua maioria, eram doados pelos professores ou pela maior incentivadora de leitura da instituição: dona Noemi.

Além de desenhar, projetar, tecer, Noemi tem como grande especialidade pastorear sonhos. Ao olhar o acervo sempre crescendo e sentindo o quanto a leitura nas mangueiras contribuía para o prazer de ler, ela anunciava: “Quando tivermos uma grande biblioteca, além das crianças e suas famílias, todos os funcionários poderão usufruir desse prazer”. E se ficava atento como quem escuta uma fábula. E assim, sonhando, brotaram a creche, a escola complementar, a oficina de cerâmica… Mas ainda faltava a biblioteca!

A escola cresceu. Cresceu o acervo. Diversos parceiros doaram livros e, sempre que podiam, uma verba era destinada à compra de novos exemplares. Cestos, malas e caixas-estantes espalhados pela instituição facilitavam as atividades de leitura, mas ainda havia um sonho…

Passando por trilhos, em meio às árvores, com todas as variedades de verde, a professora seguia com malas, cestos, bolsas carregadas de livros, em busca de um lugar para se entregar ao prazer de ler com as crianças. Mas se a chuva chegasse… que tristeza! Ficaria mais difícil achar um lugar para o momento de leitura.

Em 2008, a instituição foi agraciada com a premiação de um ponto de leitura do edital  Machado de Assis, do Ministério da Cultura (MINC), em reconhecimento ao projeto Leitura nas Mangueiras. Era chegada a hora de o sonho ganhar tijolos, telhados, estantes, cadeiras e mesas.

Já no ano seguinte, dona Noemi convidou para integrar a equipe uma ex-aluna que se formou em Biblioteconomia e aprendeu no Salão do Encontro que todo sonho é possível, e que é preciso adubar esperanças. As duas começaram a pensar no projeto da biblioteca. Onde seria? Como funcionaria? A quem atenderia?

Para receber a biblioteca foi destinada uma pequena sala, iluminada pela luz do dia, com varanda, bem no meio do caminho que levava à escola e à creche. Estratégico! Para chegar e sair da escola, as crianças, acompanhadas dos responsáveis, não poderiam deixar de passar por ela. Era impossível não ver o lugar mágico! Almofadas e espreguiçadeiras foram colocadas na varanda, os livros estavam ao alcance de todos, coloridos, pendurados do teto até o chão, convite irresistível a entrar.

Ali se formava a primeira biblioteca do Salão do Encontro.

Mais de 800 pessoas (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos) eram atendidas pela instituição. A biblioteca se destinava a todos. No inicio, as crianças tiveram facilidade em entender que o lugar pertencia a elas, mas não foi fácil com adultos e idosos, colaboradores da instituição. Para eles a abordagem deveria ser diferente: a biblioteca iria até eles. Na hora do almoço, durante o trabalho ou na hora do café, em intervenções como cochicho poético ou mediação de leitura.

No mesmo ano, o Salão do Encontro se juntou a outras três instituições, com objetivos e atuações semelhantes, para a criação do Polo de Leitura Ler & Ler, apoiado pelo Instituto C&A. O trabalho se tornou referência no município e região. O objetivo era transformar as salas de leituras e bibliotecas das quatro instituições em Bibliotecas Comunitárias. Seria preciso rever e redefinir o público-alvo das ações da biblioteca. Um novo projeto foi escrito e a biblioteca passou a se chamar Biblioteca Comunitária Salão do Encontro, com a proposta de abrir as portas, gradativamente, à comunidade.

Com a crescente demanda de atendimentos e empréstimo, mais uma pessoa foi destinada para executar a tarefa de contadora de histórias. Com ela, as atividades se intensificaram. Todas as turmas das escolas infantil e complementar passavam pela biblioteca. Funcionários e familiares utilizavam o espaço e o acervo. E então o local já se tornara pequeno para atender à nova proposta. Era preciso ampliá-lo.

Em 2010, dona Noemi ficou sabendo de um novo empreendimento em Betim: a construção de um cemitério-parque. Procurou os investidores e fez um convite para conhecerem o Salão do Encontro. Não foi difícil convencê-los, pois a Instituição é um dos pontos turísticos da cidade. Como ótima anfitriã, recebeu-os com um belo sorriso e lhes apresentou cada setor do Salão, com a alegria de quem apresenta o próprio filho. Depois de servir um belo café, convidou-os para ver, em uma grande janela, parte do terreno em que havia um barranco com ameixeiras. Erguendo um braço ela disse: “sei que vocês estão aqui na cidade para construir um grande cemitério-parque, e ali as pessoas de maior poder aquisitivo poderão ser enterradas e seus familiares terão um lugar para se despedir com dignidade. Mas tenho um pedido: ajudem-me a cuidar dessas pessoas que estão começando a viver? Ajude-me a construir aqui uma grande biblioteca?” 

Comovidos, os empreendedores se reuniram e construíram três salas. Uma delas destinada à biblioteca. Uma sala ampla, acessível, com seis grandes janelas, estantes expositoras, mesas e cadeiras adequadas a todas as faixas etárias. No projeto do polo, houve uma grande aquisição de acervo e equipamentos. Várias formações feitas pelos assessores, ações de enraizamento e de incidência política foram desenvolvidas. Assim, a biblioteca passou a ter mais visibilidade na comunidade.

Em 2011, as ações externas se ampliaram: de maior destaque foi a participação no 16º Concurso FNLIJ “Os Melhores Programas de Incentivo à Leitura”, com crianças de todo o Brasil/2011. O Projeto Leitura nas Mangueiras foi o vencedor, reconhecido como uma das duas melhores iniciativas do Brasil.

Em 2012, a biblioteca organizou o primeiro Cochicho Poético, ação desenvolvida com o objetivo de divulgar o acervo de poesia para os leitores jovens e adolescentes. Tamanho o sucesso da ação que os “cochicheiros” (adolescentes atendidos pela Instituição) passaram a ser convidados para eventos na cidade.

No mesmo ano (2012) ocorreu o primeiro Pé de Livro, com exemplares pendurados nos galhos das mangueiras. Ele nasceu do projeto Semana da Alimentação: a escola ressaltava a importância de manter uma alimentação equilibrada. Pensando em todas as dimensões do ser humano, a biblioteca resolveu lançar o Pé de Livro, e as crianças chegaram à seguinte conclusão: o fruto da árvore alimenta o corpo e a leitura alimenta o coração. Fala de uma criança de 6 anos. O Pé de Livro e a Leitura nas Mangueiras percorriam todo o espaço da instituição e várias vezes foram levados para eventos na cidade.

A biblioteca funcionava plenamente. Além da ex-sempre-aluna Cristina Santos e da contadora de histórias, agora podia se contar com a assessoria de uma bibliotecária do Polo e uma mediadora de leitura. Com acervo organizado e atividades pulsantes, a biblioteca se tornou espaço de referência. Foi palco para encontros com grandes autores, como Ziraldo, Afonso Romanno, Augusto Curi, Bartolomeu Campos de Queiros, Neusa Sorrenti, Márcio Vassalo, Walter Lara, entre outros.

Os caminhos que levam à biblioteca fazem curvas inesperadas, passando por dezenas de árvores. Assim se constroem as histórias – curvas cheias de surpresas e caminhos distintos. Cada dia um novo sonho se concebia e o roteiro escrito no início precisava se ajustar para caber na história. Quando se trata de bibliotecas, as histórias não se esgotam. Existe sempre mais uma e mais uma…

Em 2013, a sempre-aluna de dona Noemi precisou se afastar para avançar no projeto de “uma cidade leitora”, ampliando a experiência da Biblioteca do Salão do Encontro para outras comunidades. Mas a continuidade do trabalho estava garantida pela equipe.

E outra história se escreveu… O polo Ler e Ler se tornou Rede de Bibliotecas Públicas e Comunitárias de Betim. Em 2018 passou a integrar a Rede de Leitura Sou de Minas, Uai! e a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.

Porta aberta às pessoas que buscam uma boa história e àqueles que querem transformar a própria história. Assim como pensada e concebida, continua instrumento para contribuir com o desenvolvimento humano, que fortalece o processo de formação social, cultural e intelectual da comunidade.

Por motivos de saúde, dona Noemi se afastou das atividades, mas continua sendo mentora de todos. Com “olhos de águia”, da janela do quarto cuida para o projeto não se perder pelo caminho.

As grandes janelas da biblioteca permitem que entre muita luz, mas são janelas abertas para o mundo, e todos têm direito ao livro e à leitura.

 

“Há histórias tão verdadeiras que às vezes parecem que não são inventadas.” 

Manoel de Barros

 

Autora: Cristina Santos

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