Biblioteca Comunitária

Cultura no Quintal

Integrante de

Chega aí no quintal

E vem gente de todos os cantos da cidade, do país e do mundo. Um quintal, uma acolhida, festa, almoço com famílias, literatura, arte, gente alegre e acolhedora.

Um universo, localizado na região central da cidade de São Paulo, entre a Praça da Sé e a Liberdade, com uma superpopulação bem misturada, na Baixada do Glicério encontramos o Quintal da Criança na Associação Maria Flos Carmeli.

As ruas que seguem sinuosas como um rio e vão se encontrando, em meio a cortiços e igrejas monumentais,  prédios antigos e grandes condomínios, monumentos, comércio gigante, população japonesa, chinesa, nordestina, nigeriana, crianças brincando nas ruas, transição de pessoas indo para seu trabalho, para escola, para as compras. Muitos sotaques, muitas culturas, uma população diversa e muito interessante. Desafios com a mobilidade, com os sotaques, com as desigualdades sociais.

E pense em uma diversidade tão grande que até essas ruas tem uma formação muito singular, por exemplo, a rua das mulheres que moram sozinhas, a outra que é considerada a rua dos caras, tem também a dos moradores mais antigos com muito ferro velho e locais de reciclagem e a rua do pancadão.

Essa região, localizada no centro da cidade de São Paulo, lugar de turismo, de compras, de encontros. Mas também uma região com muita desigualdade social, com catadores de papelão, vendedores ambulantes, pessoas em situação de rua, desafios com os jovens, e a preocupação no cuidado com as crianças.

Mas as historias de resistência são muitas, e muita também é a coragem dessa gente, tão misturada e tão cheia de sonhos. A riqueza cultural e a arte sensibilizam, fazem com que as pessoas se enxerguem e tenham coragem para lutar por algo melhor. É um lugar de gente boa e com muito potencial.

Mas que tal pegar uma lupa e aproximar o seu olhar de um lugar muito especial?

Lembra de um quintal que falamos lá no comecinho? Então, não é qualquer quintal. Pegue a lupa pra enxergar dentro dessa mega região um espaço maravilhoso, cheio de crianças e educadores encantados.

Olhar através da lupa me transportou para a rua do Glicério. Parada ali, em frente ao portão, toco a campainha e alguém muito simpático abre o portão. Recebida com sorrisos dos pequenininhos e dos grandinhos, entrei por aquele portão e o que encontrei? Um grande quintal, com árvores, um parquinho, horta, espaços sensoriais, com exposições de arte das crianças e uma carroça de catador de papelão. Mas nessa carroça no lugar de papelão há livros, é colorida, tem um toldo azul e é bem diferente. Que lugar inusitado!

Mas é um quintal, onde muita coisa legal acontece, encontro com as famílias em festas literárias, um convite pra almoçar juntos, um cafezinho, apresentações culturais das crianças e muita literatura. Sabe o quintal da nossa casa quando juntamos família e amigos para as comemorações especiais,  as festas, o bate-papo… esse quintal lembra muito os nossos quintais.

Uma biblioteca foi criada, com um monte de livro lindo para as crianças, cantinhos temáticos, móveis adaptados, instrumentos musicais, brinquedos, estantes coloridas, puffs, tapetes. Muitas histórias mediadas e contadas, muitas viagens realizadas através dos livros, nas vozes dos mediadores e das crianças. Momentos de encontro com os livros também embaixo das árvores, do delicioso quintal.

Uma outra surpresa ali no cantinho: uma carroça literária, uma biblioteca itinerante, que sai do quintal e ocupa outros lugares aos arredores. A carroça leva a literatura onde outras coisas não chegam. Compartilha histórias, culturas. Dá cor para o cinza de muitos lugares ali da região.

Mas os desafios desse quintal são muitos. Como acolher toda a população que foi chegando e fincando os pés ali na região? Como acolher as crianças das famílias filhos de imigrantes? Como levar mais literatura às crianças maiores, os jovens, os adultos em outros momentos além dos eventos culturais como as Mostras literárias, a Primavera com os livros e os outros encontros com as famílias como almoços, festas temáticas?

Mudou a biblioteca para um outro quintal. Um espaço maior, que atende crianças e adolescentes. O público foi ampliado, o acervo também, atendendo mais gente ainda, de diversas idades. Na região se concentra uma grande quantidade de africanos de diversos países como Mali, Nigéria, Angola.  Haitianos e Latino Americanos, principalmente da Bolívia, Venezuela, Colômbia e Peru, e as dificuldades com a língua são muitas. Mas na mediação, ao ouvir as histórias, na brincadeira e nas canções tudo é universal e as relações acontecem.

A carroça literária continua levando a literatura para os cantos diversos.

As muitas atividades realizadas com a literatura leva ao conhecimento mais profundo das famílias participantes. Na ação como o LiteraSampinha e o Prêmio Literário por exemplo, na escrita das crianças descobre-se muito sobre suas histórias, sua vida, sua realidade. Possibilita contar coisas a partir da escrita. As crianças mediam livros para outras crianças e para suas famílias, que passaram a se relacionar melhor depois que começou a acessar a literatura.

É, esses quintais têem muita história pra contar. A comunidade, os parceiros, todo mundo chega e se sente pertencente. É muito forte a ideia de acolhida, de estar junto, de família, de coletivo, de afeto.

Muitas histórias são ouvidas sempre, muitas transformações sentidas, muita humanidade praticada.

A região continua cheia de desafios. São muitas histórias ainda para serem compartilhadas e modificadas. Há muito o que se fazer, há muita desigualdade, preocupação, mas a turma desse quintal não deixa a peteca cair e compartilhando seus saberes e quereres e na ideia de possibilitar um futuro melhor para as suas crianças, nos convidam a confraternizar nesse quintal de encontros e ideias, onde a literatura, a arte, a brincadeira, risos e sonhos se encontram e se fortalecem.

Bora você também chegar nesse quintal?

 Autora:
Val Rocha, artista, mediadora de leitura, arte-educadora no Instituto Brasileiro de estudos e Apoio Comunitário e na Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura e na Rede de Leitura LiteraSampa, sistematizadora na Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.

    Personagem da Biblioteca

    Cristóvão – biblioteca e as suas experiências – Assim que você entra no CCA, como trabalhador, como educando, como familiar de educando ou como voluntário, o nome Cristóvão não demora para chegar até você. Cristóvão é um educando que costuma se destacar…, uma história de vida difícil demais e com muitas questões para serem consideradas, mas eu estou aqui para falar sobre o Cristóvão como educando que frequenta a biblioteca, que é uma parte dele que precisa ser potencializada.

    Nós somos do CCA da Baixada do Glicério, zona de vulnerabilidade do centro de SP, e os nossos educandos não tem acesso aos livros de outra forma que não seja  a biblioteca Cultura no Quintal, e as vezes eu via o Cristóvão dando uma espiada na porta da biblioteca, eu o convidava para entrar, mas nem sempre acontecia, até o dia que ele viu na pilha de livros de devolutiva um livro que chamou a sua atenção: o livro de Gravity Falls (animação da disney).

    Não demorou muito para que ele pegasse e folhasse o livro inteiro, sentou na cadeira do meu lado e começou a me contar sobre todos os personagens e sobre as suas aventuras. Ele contava com tanta animação sobre o livro e os seus personagens que eu perguntei se ele teria interesse de levar o livro para casa, a resposta foi negativa. Eu tentei muito convence-lo de levar, mas ele disse que outro dia ele pegaria.

    A outra vez que nós tivemos uma experiência muito significativa do Cristóvão na biblioteca foi quando a as crianças do quintal foram visitar o CCA e ele fez uma mediação para elas, foi um momento bem emocionante, assisti-lo lendo para as crianças e interagindo com elas. Ele lê muito bem e parece gostar demais de fazer isso e encontra na biblioteca o espaço onde se sente à vontade.

    Nós conseguimos ver uma mudança no Cristóvão depois que ele começou a ter um contato maior com a biblioteca. Outra coisa muito legal também que aconteceu enquanto ele estava na biblioteca com outro educando – dessa vez o Yan, de sete anos –os dois começaram a conversar e se desculparam pelas coisas agressivas que já tinham falado um para o outro, que agora eles eram amigos e que eles não iam brigar mais. Os dois ficam na biblioteca juntos por um bom tempo depois disso…